29/04/2014

house with no c@ts

 
 
"gatos"
 
Gatos dos quintais,
gatos dos portões,
gatos dos quartéis,
gatos das pensões.

Vêm da Índia, da Pérsia,
da Nínive, Alexandria.
Vêm do lado da noite,
do oiro e rosa do dia.

Gatos das duquesas,
gatos das meninas,
gatos das viúvas,
gatos das ruínas.

Gatos e gatos e gatos.
Arre, que já estamos fartos!

 
 
"acerca de gatos"
 
Em abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeño tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mais foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não l'he tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do "Público" ao domingo.
 
 
eugénio de andrade - "o sal da vida", 2005
 

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